O tema do risco de cheias e inundações, como o "célebre" exemplo do Mondego (ver aqui), é um verdadeiro desafio que exige uma reflexão profunda. Este caso em particular espelha bem o resultado de décadas de fraco planeamento territorial e da tomada de decisões de curto prazo, em detrimento de soluções estruturais mais eficazes.
O Problema do Mondego
A bacia do rio Mondego é uma área propensa a inundações periódicas, que afetam não só as habitações, mas também as colheitas agrícolas, criando um ciclo de prejuízos recorrentes. As pessoas que ali residem ou dependem dos campos de cultivo sabem que, de tempos a tempos, o rio vai reclamar o seu espaço natural. No entanto, o dilema mantém-se:
- Manter as populações nas zonas de risco: Aqui, a lógica é que as pessoas continuem a viver e a cultivar nestas áreas, mesmo com o perigo iminente. A cada cheia, os prejuízos são elevados — casas danificadas, culturas perdidas e vidas afetadas. Compensa isto socialmente? Não parece justo.
- Retirar as populações destas zonas: Pode parecer a solução mais simples e segura, mas é um processo complexo. Deslocar comunidades inteiras exige planos de realojamento, alternativas económicas, que os próprios habitantes aceitem e PRINCIPALMENTE vontade política, o que raramente acontece.
Construção de Diques: Solução ou Problema?
A construção de diques e outras infraestruturas de proteção pode, à primeira vista, parecer a solução mais prática. Contudo construir diques e sistemas de contenção é extremamente caro. Não estamos a falar apenas do custo de edificação, mas também de manutenção constante, pois a natureza, mais cedo ou mais tarde, encontra formas de contornar estas barreiras.
O caso do Baixo Mondego é um exemplo claro. Durante décadas, houve promessas de obras de requalificação para evitar inundações. Apesar de alguns investimentos, como a construção de diques, as inundações continuam a acontecer em grande parte porque as intervenções foram parciais e incompletas.
Aqui entra o pensamento controverso de muitas autarquias e governos: é mais barato deixar que aconteça e pagar indemnizações. Parece cínico, mas do ponto de vista económico é, infelizmente, uma realidade. Em vez de investir milhões em soluções preventivas, espera-se que as cheias ocorram e, depois, recorre-se a fundos para compensar as perdas.
Este assunto tão atual, cuja infermidade sucedida em Valência deixou a Europa de luto, reflete as décadas de inexistência de ordenamento de território, mais recentemente, de um fraco ordenamento ou mesmo um ludibriar de interesses, tal como se continua a observar nas nossas costas liborais, em que as dunas continuam a ser pressionadas pela urbanização.
ResponderEliminarMais do que a mobilização das pessoas cujas habitações se situam em áreas de risco de inundação como a que mencionaste, preocupa-me as infraestruturas que estão a ser construídas ou com a construção aprovada nas mesmas circunstâncias.
Entristece-me este consórcio que nos leva para o abismo.
Um pouco como disse a Daniela, e bem, podemos relacionar o caso da planície de inundação do Mondego, com o caso de Valência. Quando o ordenamento do território não respeita a dinâmica natural dos fluxos de água, sofremos as consequências. No caso do Mondego, os interesses ultrapassam, de longe, a racionalidade das decisões. Casos semelhantes, embora com causas diferentes (como em Valência, Lisboa ou Porto, entre muitas outras cidades), as sociedades não têm tido uma relação muito saudável com a água. O desrespeito pelo sistema biogeofísico é gritante. Ao impermeabilizarmos cada vez mais os territórios, não respeitando a naturalidade dos processos hidrológicos, a resposta que a Natureza nos dá, é aquela que está à vista de todos. Mas os interesses pesam sempre mais na balança.
ResponderEliminarTanto no Mondego, como em Valência, assim como em muitas outras cidades a nível global, teremos catástrofes cada vez mais graves. E não é pelo aumento da frequência e intensidade dos eventos extremos (porque não são novidade). Mas sim, pela falta de visão e ignorância e/ou pela obstrução de interesses aquando da tomada de decisões em matéria de ordenamento do território.